Augusto Marcacini

NCPC Comparado

Edição eletrônica - CPC/2015 comparado com CPC/1973

As Inovações do CPC 2015

Da propositura da ação até a sentença

Comércio eletrônico: modernidade à marcha-ré

Marcos da Costa

Advogado. Presidente da Comissão de Informática do Conselho Federal da OAB-SP. Presidente da Comissão de Informática Jurídica da OAB-SP. Professor do Curso de Negócios na

Era Digital da FGV-PEC.

Augusto Tavares Rosa

Marcacini

Advogado. Vice-presidente da Comissão Especial de Informática Jurídica da OAB-SP e Coordenador da Subcomissão de Certificação Eletrônica. Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Professor de Direito

Processual Civil da Universidade São Judas Tadeu.

Maio/2001


Na tarde do dia 23 de maio, vimos ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal o Projeto nº 672/99, que se propõe a regular o comércio eletrônico. Neste momento, estão em trâmite no Congresso Nacional dois projetos voltados para o tema. Além deste, há o Projeto nº 1589/99, da

Câmara dos Deputados.

O Projeto de Lei 1589/99, conquanto apresentado anteriormente, continua em trâmite na Comissão que foi especialmente formada para analisá-lo. Trata-se de projeto entregue à Câmara pela OAB-SP, tendo sido redigido com a colaboração de diversos advogados, reunidos por iniciativa da Comissão de Informática desta entidade. Em uma breve comparação, trata-se de proposta muito mais abrangente que o PLS 672/99, pois cuida de estabelecer regras entre o provedor de acesso e/ou armazenamento com os seus usuários, afirma direitos do consumidor, regula de modo preciso o uso de documentos eletrônicos e assinaturas digitais, além de estabelecer normas penais relacionadas às matérias tratadas. Seja pelo prestígio da entidade que o apresentou, seja pelas suas próprias qualidades, o Projeto nº 1589/99 tem sido objeto de intenso debate, sendo foco de atenção em cursos e seminários, não sendo poucos os que, em artigos jurídicos recentes, fizeram referência a ele.

Estando em evidência, o Projeto 1589/99 também foi, inevitavelmente, alvo de críticas. Entretanto, é oportuno notar que muitas das críticas que lhe foram desferidas mostraram-se precárias; desde resistências à fixação de direitos mínimos do consumidor, num cenário que parece apontar para o "vale-tudo", até críticas baratas, como a afirmação de que o Projeto OAB-SP, ao especificar o uso de criptografia assimétrica como meio de gerar assinaturas digitais, "engessa a tecnologia" (quem o afirma certamente desconhece tanto o que é criptografia assimétrica, como o que é tecnologia...). Recebeu, ainda, a crítica emocional de que criaria um "monopólio dos cartórios", acusação maliciosa que só pode ter partido de quem ou não leu o

projeto, ou leu e não o entendeu.

Não é intenção destes autores discorrer aqui sobre o Projeto 1589/99, mas poucas linhas bastam para repelir tais insinuações. Primeiramente, qualquer texto sério sobre segurança da informação pode ensinar que apenas por criptografia assimétrica (que não é tecnologia, é um conceito matemático!) se pode obter autenticidade e integridade de documentos eletrônicos (em tempo: a biometria não se presta a isso, como alguns insistem em afirmar). Para os que pretendem efetivamente conhecer a questão, mais textos em abundância podem ser indicados, dentre eles as legislações italiana, espanhola, portuguesa, sobre assinaturas digitais, todas cristalizando o uso da criptografia assimétrica. Ou, aqui mesmo no nosso país, o Decreto nº 3.587/00, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas do Poder Executivo Federal: sim, estabelece o uso de criptografia assimétrica. Quanto ao alegado "monopólio dos cartórios", uma leitura atenta do texto do projeto permite vislumbrar a coexistência de atividades de certificação tanto públicas - pelos cartórios - como privadas, estas sem longa regulação no corpo do Projeto, por entender-se que devem ser estabelecidas sob os princípios da liberdade de empresa e liberdade de contratação. Mais que isso, o Projeto 1589/99 sequer exige uma certificação eletrônica, seja pública, seja privada, como requisito de validade dos atos eletrônicos, fato que se pode perceber da leitura do seu artigo 18: "a autenticidade da chave pública poderá ser provada por todos os meios de direito, vedada a prova exclusivamente testemunhal". Obter um certificado digital é opção do interessado, que ainda pode escolher se quer obtê-lo do notário, ou do certificador privado. Preceito semelhante, desobrigando a certificação eletrônica, viria a ser adotado posteriormente, pela Diretiva

Européia sobre assinaturas digitais.

No entanto, tramitava paralelamente no Senado o Projeto 672/99, que acabou seguindo silenciosamente até a sua aprovação pela CCJ, sem críticas declaradas, mas também sem elogios. O Projeto 672/99 é apenas uma tradução literal - embora com algumas falhas de tradução, da "lei-modelo" da UNCITRAL (Comissão das Nações Unidas para o Comércio Internacional), elaborada em 1996. Este documento também havia sido o ponto de partida das discussões do grupo de advogados que elaborou o Projeto 1589/99, e o que dele poderia ser aproveitado foi incluído no texto, vez que, embora contando, à época, com apenas pouco mais de dois anos, a "lei-modelo" já se mostrava insuficiente para dar uma resposta adequada aos muitos problemas que haviam vindo à tona com a rápida expansão da Internet, que se daria nos anos de 1996 a 1999. E também não servia para regular o documento eletrônico, por mostrar-se muito vaga e imprecisa, embora prolixa. Nem mesmo o possível apelo à necessidade de regulação uniforme, pelos vários países do globo, das questões ligadas ao comércio eletrônico, pode sustentar a adoção do Projeto 672/99: é que a "lei-modelo" acabou não se tornando lei em praticamente lugar nenhum! Os países da Europa não a adotaram. No momento, o único país que aprovou lei copiando o texto do modelo da UNCITRAL foi a Colômbia. Pode ser que o segundo seja o Brasil. Todavia, o PLS 672/99 segue afirmando gloriosamente que, na sua interpretação "levar-se-á em consideração a necessidade de promover a uniformidade da aplicação de normas sobre o comércio eletrônico em nível internacional" (art. 3º), e que figura entre seus princípios "promover a uniformidade do direito aplicável à matéria" (art. 4º,

IV).

Mas esse ainda não é o ponto mais crítico. O maior demérito do projeto 672/99 é o seu próprio texto. Com vinte e seis artigos, alguns longos, muito pouco acrescenta de útil à nossa legislação. Basicamente, um grande preceito que pode ser extraído da "lei-modelo", e que se repete inutilmente por vários dispositivos, é o de que não serão negados efeitos jurídicos, validade e eficácia à informação, apenas porque esta venha sob a forma de uma mensagem eletrônica. Mas o nosso Direito já não nega! Nosso Código Civil desde 1917 já diz que "a validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir" (art. 129). Assim, é discutível a novidade que o projeto insere no ordenamento jurídico pátrio, em seus artigos 5º ("Serão reconhecidos os efeitos jurídicos, validade ou eficácia à informação sob a forma de mensagem eletrônica e àquela a que se faça remissão mediante a utilização dessa espécie de mensagem"), 11 ("Na celebração de um contrato, a oferta e sua aceitação podem ser expressas por mensagens eletrônicas") e 12 ("Nas relações entre o remetente e o destinatário, se reconhecerá validade ou eficácia a uma declaração de vontade ou a qualquer outra declaração feita por meio de uma mensagem eletrônica"). Destaque-se, aliás, que a parte final do artigo 5º, acima transcrito, absolutamente não tem sentido. É que a tradução cometeu deslizes ao alterar a frase original, que estava na forma negativa ("não se negarão efeitos jurídicos..."), para a forma

afirmativa.

Outras disposições absolutamente desnecessárias são as contidas no artigo 2º. Fugindo da boa técnica legislativa, que aconselha ao legislador deixar que a doutrina formule definições e conceitos, este artigo contém seis definições em seus incisos. Mas o pior é que nem ao menos se pode dizer que o legislador estaria tentando pacificar controvérsias e uniformizar conceitos não unívocos, argumento com que se justificou no passado a inclusão de tantas definições no nosso atual Código de Processo Civil. Os conceitos "definidos" no artigo 2º do PLS 672/99 são por demais óbvios e nada acrescentam: define-se "mensagem eletrônica", "remetente de uma mensagem eletrônica", "destinatário de uma mensagem eletrônica", "intermediário, com respeito a uma mensagem eletrônica", "sistema de informação", "intercâmbio eletrônico de dados". Mensagem eletrônica, por exemplo, é "a informação gerada, enviada, recebida ou arquivada eletronicamente, por meio óptico ou por meios similares, incluindo, entre outros, 'intercâmbio eletrônico de dados (EDI), correio eletrônico, telegrama, telex e fax". Uma lei moderna não se esqueceria de regular o telegrama, o telex e o fax... Destinatário, segundo define o Projeto, é "a pessoa designada pelo remetente para receber a mensagem eletrônica". Pouparemos o

leitor das demais definições.

No tocante ao uso de documentos eletrônicos como prova, na verdade nada há no Projeto que possa dar confiança aos contratantes de que os instrumentos assim gerados possam ser futuramente reconhecidos como idôneos a demonstrar a verdade. O artigo 6º dispõe que "quando a lei determinar que uma informação conste por escrito, este requisito considerar-se-á preenchido por uma mensagem eletrônica, desde que a informação nela contida seja acessível para consulta posterior". Ora, a condição exigida - estar "acessível para consulta posterior" - pode ser também observada por um texto escrito à lápis; e, diga-se, registros eletrônicos, sem assinatura digital por criptografia assimétrica, são mais fáceis de fraudar, montar, reescrever, do que um papel escrito à lápis. É a isso que o Projeto quer reduzir a forma

escrita?

Segue-se ainda o artigo 7º: "no caso de a lei exigir a assinatura de uma pessoa, este requisito considerar-se-á preenchido por uma mensagem eletrônica, desde que seja utilizado algum método para identificar a pessoa e indicar sua aprovação para a informação contida na mensagem". Algum método? Não poderia ser mais preciso? Como o Projeto também regula o telegrama (v. supra), será que o nome do remetente impresso no texto serviria para identificá-lo de forma inequívoca? Um simples e-mail que indique o nome do remetente faria esta prova? Só responderia afirmativamente a esta segunda questão quem não sabe o quanto é fácil e primário fraudar ou adulterar essa informação, se a mensagem não

estiver assinada digitalmente por criptografia assimétrica.

Outros pontos mais poderiam ser destacados e não resistiriam a uma apreciação crítica. Como quem veste uma roupa que já saiu de moda, nosso país está prestes a tornar lei um texto da era "pré-Internet-comercial" para regular o comércio eletrônico. E, pior, acredita-se

que com essa pobreza jurídica iremos adentrar a modernidade.

Última atualização em 19 de abril de 2005, às 12h02 - Esta página teve 3977 acessos